terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ESTÓRIA DE UM AMOR...




HISTÓRIA DE UM AMOR!
Dadinha era a morena mais bonita do bairro da Ribeira. Como essa estória se passa no início do século passado,eu diria –sestrosa-;assim se chamavam as belas daquela época,com suas longas madeixas acetinadas e seus olhos de ressaca,como diria Machado,o Mestre.
Num bairro habitado por pescadores pobres, nossa heroína,além de tudo,era quase rica.Seu pai,um português muito religioso,era dono da única padaria do bairro,sujeito remediado que habitava um sobradinho em cujo jardim cultivava gerânios;a mãe,senhora seca e carola,só teve essa filha;provou e não gostou,diriam os arreliadores do bairro que não respeitavam nada.
O fato é que Dadinha passeava a sua moreneza no Porto dos Mastros, todo final de tarde,fazendo sonhar os rapazes,entre eles,um poeta de cabeleira á Castro Alves,que declamava sonetos á lua.Seus negros olhos tinham um fogo,logo percebido pelos verdes olhos da mocinha,e,ambos os olhos se apaixonaram.
O problema é que o rapaz não tinha eira nem beira e seu único patrimônio era os olhos negros e os versos;moeda desprezível aos olhos do galego que não se cansava de dizer á filha:-seja quem for o poeta,esse ou aquele,nunca na vida te aproximes dele.Mas,a moça não só se aproximou,como andaram se encontrando ás escondidas pros lados da Igreja da Penha,escondidos pelas árvores vetustas e pelas sombras,propícias ao amor.
Com o tempo , precisaram de um cocada,que é como se diz na Bahia,o leva-e-traz,que ajudava os enamorados;neste caso,o “Quiabo Duro”,um seco rapazinho,muito ágil e calado ,filho da madrinha do poeta.Para não despertarem suspeitas,arrumaram um apelido para ambos;ela,seria melancia,fruta da predileção do namorado;ele,coco mole,que ela adorava comer.Havia algo de pecaminoso e sensual na escolha dos codinomes,mas,não foi intencional;algo subjetivo,sim senhor.
O namoro ia progredindo, escondido e lento,cheio de mistérios e códigos secretos de fazer inveja á CIA,se naquele tempo ela já existisse.
-Tem melancia na feira!gritava o garoto,e,o rapaz logo corria para a frente da igreja,onde juraram um dia,se casar.
-Coco Mole!passava o rapaz pela frente do sobrado,a menina arrumava uma desculpa e corria para o local aprazado.
Assim iam tocando a vida.
Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe,dizia a minha vó,sábia senhora que me contou esta e outras estórias.
A tempestade chegou na forma de um valdivinos,recém chegado da Terrinha,para ser primeiro caixeiro da padaria e o “alter ego” do português,que o tinha em alta conta de gajo sério e trabalhador;o fato do sujeito cheirar eternamente a alho,ter muitas espinhas e ser magro como um bacalhau de porta de venda,não pareceu importar ao pai da menina que cismou em casá-la com o patrício.
Como era uso naquela época, ela foi apenas notificada e teve que se dobrar á vontade paterna.
Inteirado da notícia, Coco Mole,duro e teso,sem poder fazer nada,sumiu no mundo;tinha um tio que labutava na Marinha Mercante,cortou os cabelos,criou cores e coragem e embarcou num cargueiro mar a fora.
Dadinha ficou com um cacho dos cabelos do amado,que mandou encastoar em ouro e usava numa corrente,junto ao peito.
O casamento sofreu alguns atrasos, afinal,o pretendente tinha que “tomar estado”,juntar algum,fazer uma casa,as coisas não podiam ser feitas nas coxas.
Dois anos e meio tinham se passado; ninguém sabia notícias do marujo e,o casamento,enfim,foi marcado.Seria em Maio,mês das noivas e de Nossa Senhora,na Igreja da Penha,ás seis horas da tarde,com pompa e circunstancia,como deveria ser as bodas de uma filha única.
Branca e radiante vai a noiva...Seria mesmo?
Dadinha,com a palidez da morte e olhos chorosos,caminhava para o altar como se fosse para o cadafalso;o que se passava na sua cabeça,de suas dores,quem saberia?Alimentada pelas lembranças,caminhava...
De repente, de fora da igreja,um moleque gritou,a plenos pulmões:
-Melancia,Coco Mole está na terra!
Dadinha, desvencilhou-se da multidão,arrepanhou a cauda e correu como louca para a porta,deixando estupefatos pais,noivos e convidados.
Um pequeno barco a motor a esperava. Nele,um belo marujo atlético,tostado pelo sol de quatro mundos,lépido,a tomou nos braços e rumaram para um cargueiro que os esperava na barra.
Voltaram a Salvador quinze anos depois, já mortos os pais dela,trazendo dois belos garotos e se estabeleceram na Ribeira,que viu nascer e abençoou seus primeiros amores.
...e ,entrou por uma porta e saiu pela outra,peça ao rei,meu senhor,que te conte outra.
Assim minha avó terminava suas estórias.
Assim repasso!

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