Parecia que a vida brincava com seu destino. Por força queria ser alguém, filha de ricos, viver num sobrado, vestir lindas roupas, todas elas com bastante babados, estilo Branca de Neve. Ficava horas a fio junto à tia que costurava a espera que sobrasse algum retalho de fazenda, para ter um vestido novo.
Não importava as diferenças. Tinha tudo no vestido, variedades de cores, tal qual o céu repleto de estrelas. Babados e babados, todos eles complemento dos retalhos sobrados. Para ela era a pequena Branca de Neve, linda, linda. Os pobres são assim, se contentam com o pouco, desde que lhe caia bem. A ela só restava além do sonho de ser grande, bonita, a doutora da família, mas, a panela de açaí que era obrigada a carregar na cabeça e aos gritos: _Olha o açaí, quem vai querer? Era a rotina diária após chegar da escola que lhe ditava a realidade.
Não ia de gosto, trocava a farda pelo vestido remendado que a mãe lhe dava para aquela ocasião, remendadinha. A exigência era o vestido limpinho, passado a ferro. Tomava banho, um pouco de talco que a avó preparava com batata de araruta. Após secagem, era pilado num pedaço de pano branco. Aquele pó conservava a pele limpa. Saia para a missão, sempre às onze da manhã para ajudar os pais.
O pai vendia peixe e a mãe tinha uma banca de mingau, guloseimas. Quando não era época do açaí, vendia pipoca, dentro de um saco, pelo bairro. Naquele tempo as casas eram dispersas, bairros se formando, ela tinha medo de tudo, mas por companhia tinha sempre um irmão maior ou a irmã menor.
Certo dia a fome associada à preguiça fez com ela comesse toda a pipoca. Tome peia para aprender a ser honesta. Naquele dia a pancadaria foi tanta que a asma atacou forte, nem a mamona, vomitório de péssimo paladar a fez melhorar. Nem o mastruço, o amor-crescido, o chá de baratas torradas, chá de caramujos que ela mesma apanhava num navio antigo que ainda fica na beira mar dos Educandos. Nada servia para aquela doença chata. O chiado, dia e noite não a deixava em paz, mas como dizia sempre: __ Vaso ruim, não quebra!
Seu consolo era o velho palhaço de pano que alguma bondosa velhinha lhe dera de presente. Como ele sofria com ela! Sua vingança era no pobre coitado. Sem força alguma de defesa, ele se deixava levar para cima e para baixo, ficava todo sujo o coitado, mas era o seu amigo fiel. Seu confidente. A ouvia sempre dizer: _ Odeio, odeio todos eles. Tudo que acontece errado sou eu que faço. Odeio, odeio... Ainda vou ser grande, serei muito importante, vocês vão ver. Até tu palhacinho, haverás de ver-me respeitada, um nome sagrado nesta terra. Odeio esta cidade, mas é aqui que vou brilhar. Ele nada sabia daquilo. O que aquelas palavras queriam dizer, mas ela se alimentava delas.
Cabelinho sempre amarrado estilo Maria Chiquinha, as fitas vermelhas lhe davam um colorido maravilhoso, ela deixava de ser a menina pálida para se tornar alegre pela força do vermelho. Acreditava piamente no feitiço do vermelho, na força poderosa daquela cor que achava linda e insubstituível. Além do vermelho, o amarelo, cor do astro-rei lhe dava as energias para poder enfrentar as feras como ela chamava seus pais e irmãos. Hoje, adulta, ainda tem na alma muito daquela criança sofrida, esgulepada, rebelde, batalhadora, de fibra. Manaus, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Nota da autora.
Na história da menina maltrapilha e seu palhacinho de pano talvez tenha contado parte da minha história verídica, sofrida, mas da qual me orgulho, tenho boa voz, como coralista conheço quase todo o Brasil com ela, dignidade é a palavra chave. Nada me veio de graça, a base maior foram os livros, estudos, quem não tem padrinho, devem estudar dobrado. Porque quem aprende enfrenta as tempestades. Vence. Manaus, 15 de março de 200
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Ana Zélia da Silva, amazonense, de Manaus, nascida em 16.11.1943. Pertence ao signo da transformação-Escorpião e se orgulha disto. Advogada. Secretária aposentada do Eg. Tribunal de Justiça do Amazonas, membro da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, ocupando a cadeira de nº 05 pertencente a Câmara Cascudo, faz parte da ASSEAM, Associação dos Escritores do Amazonas autora do livro Mulher! Conquista Fácil!... (Poesias e crônicas) editado pela Universidade Federal do Amazonas em 1996, edição esgotada, atriz, radialista e mãe. Orgulha-se de ter sido agricultora e de tentar gritar ao mundo que a Amazônia é nossa. Uma cidadão pre3ocupada com os rumos do país e do planeta. Principalmente com a violência contra a Mulher, tendo diversos poemas sobre o assunto.Exerce a literatura com marcante objetivo social. Tem várias premiações. 1º lugar X ZONARTE-SESC/1991, poesia encenada. Título: Ah! Se eu tivesse tido chance!(na pele de um cheira-cola emite o grito que eles não podem emitir). 2º lugar (XI ZONARTE/SESC/1992) poesia encenada; título AH! VIDA! (assume uma mendiga, são os sem teto, sem nada): 2º lugar, II FESPOINT (Festival de Poesia Interpretada/Manaus/1998) título: UM OLHAR PARA O FUTURO!( poema encenado com quase 30 personagens, Assim é Ana Zélia.
Obras Físicas Publicadas
Mulher! é o bicho! Destaque- Concurso Nacional de Poesias/1994) a mais solicitada nas escolas, cifrada pelo grupo Jequitáia e cantado pelo mesmo. QUEDAS, TROPEÇOS, UM BOM COMEÇO!... 5ª edição, 6.000 exemplares) pequenina no tamanho, mas já adentrou a Academia Brasileira de Letras.
LEITOR:
É com o maior orgulho que publico um texto da escritora amazonense Ana Zélia da Silva,neste novo espaço dedicado aos leitores e escritores.
Quer divulgar sua estória?
Publique aqui.
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Obrigada amiga, ver e ler minha própria história depois de tantas quedas, tropeços e tantas vitórias. Arrepia a alma. Todos nós podemos vencer basta que tenhamos coragem, força e estudar muito, na rua, nos coletivos, em todo o lugar. Obrigada Manaus, 14 de março de 2010. Ana Zélia
ResponderExcluirQuerida,o seu é um dos mais belos textos q/já li;uma estória de vida e luta e um exemplo para todos.
ResponderExcluirAbraços
Minha querida e amada prima Ana zélia ,como diz Fernando Pessoa (toda poesia é triste ví ,lí aqui sua vida em poesia)os seus vestidos de babados hoje é chic bem!e vi aquí a cançâo mais linda de ninar.o boto não dorme no fundo do rio.hoje sua vida é um encanto,uma magica.sua fada te salvou.beijos com ADMIRAÇÃO.prima ELIANA.RIODEJANEIRO08/04/2010.
ResponderExcluirSe cada pessoa pudesse contar um pouco de sua história quantas histórias de vida teríamos para ler, infelizmente editar ficou caro demais e o escritor perdeu aquela vontade, mas ainda existem gênios neste Brasil de tantos cupins. Beijos Ana Zélia
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