segunda-feira, 15 de março de 2010


UMA SITUAÇÃO MUITO ESPECIAL
O Dr.Moreira era o único médico negro,naqueles anos 40,na cidade de interior onde meus pais foram morar depois de casados.Era uma minúscula cidadezinha do alto-sertão,com uma agricultura familiar e rudimentar,por isso,e,talvez pela distancia da costa,não recebeu escravos;tirante uma ou duas famílias de cor,a ausência de negros,na região,era total.Eu,mesma,nascida em Salvador,mas,moradora de lá,desde um mês de idade,ao ver um pretinho cria de uma tia postiça,professora lá na fazenda,cheguei meio ressabiada e,delicadamente passei as unhas no braço do garoto,para ver se a cor saía.Mas,a população não era racista,nem discriminava ninguém,o médico foi muito bem recebido;o que o povo de lá não perdoava era o chiste;quase todos tinham apelido e o povo era feliz porque ria de si mesmo.Ao notar a cultura e imponência do doutor,que discutia política e religião com muita prosopopéia e frases empoladas,olhando a todos de cima prá baixo-era muito pernóstico,o cara-o povo o apelidou de Noite Ilustrada.Pelas costas,porque todos temiam seu temperamento azedo e seus modos bruscos,principalmente com os mais ignorantes e pobres.E foi aí que o velho Geroncio se deu mal.Dono de um catarro senil,que não passava com nenhuma mezinha e sentindo as forças lhe abandonarem,o serviço da lavoura,que sempre tirou de letra,agora o cansava deveras,procurou minha avó paterna,que era a “curadora”da região,pois tinha o Chernoviz,creio eu que o nome era esse,um livrão que continha todos os chás e mezinhas,para quase todas as moléstias e a utilidade de todas as plantas,a bíblia da medicina natural,hoje tão em voga;numa região onde médico era luxo,a cura vinha das orientações desse livro ou da homeopatia;eu mesma tomei muito chá e tomo até hoje.Mas,voltando á vaca fria;minha vó aconselhou “sêo”geroncio a tomar o Elixir Cabeça de Nêgo,um portento,na época,para dar sustança e curar males do. Pulmão.Quem vendia era a farmácia do doutor,lá na sede.Um Geroncio,ressabiado,partiu para a farmácia,na praça principal,onde se instalava,aos sábados,a feira semanal.Vinha preocupado,torcendo para estar La o empregado,Jesuino,gente boa,que deixava todos á vontade.Não estava;estava o doutor em pessoa e com cara de poucos amigos.
-Boas tardes sinhô doto,perciso de um a medicina.
-Fala que estou com pressa.Que remédio é?
O Geroncio rodava o chapéu de palha encardido,prá cá e prá lá e ,nada de desembuchar.Olhava as prateleiras,o remédio estava lá,altivo com seu título em negrito,letras enormes.Olhava o remédio e olhava o doutor,esperando que esse bispasse o que ele queria e o desobrigasse de pronunciar o nome do danado do xarope.Mas,o médico,nada;apenas tamborilava com as mãos no balcão,impaciente.
-E aí?
Suando em bicas,o capiau não teve outro jeito e gaguejou:
-Eu queria o elixir “cabeça de vossa incelença”.


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